Aluno-Artista: O Haiti está aqui
Johny Hilaire e Wesner Saint Juste moravam na mesma cidade do Haiti, Petit Goave, e por coincidência, estudavam na mesma escola durante o ensino médio. Não eram amigos, mas eram colegas de classe; se conheciam das atividades culturais que aconteciam no Liceu que frequentavam. O destino os mandou ao Brasil, à Unicamp, onde cursam Graduação em Filosofia e Linguística, respectivamente. Trouxeram na bagagem seus cadernos de poesia; tinham em mente uma ambição: publicar na Universidade um livro com seus poemas escritos em crioulo haitiano e traduzidos para o português brasileiro. Selecionados pelo programa Aluno-Artista estão prestes a tornar realidade o que antes era apenas um sonho. Através do Programa pretendem lançar o livro de poemas "Jepye Pyeje" (Fulano Fulano) .
O grande terremoto que assolou o Haiti em janeiro de 2010 foi um marco divisor na história do país e na vida dos haitianos que, invariavelmente, foram atingidos pelo desastre.
Johny Hilaire (27 anos) era estudante de Graduação no Haiti, na cidade de Porto Príncipe. Frequentava dois cursos: Filosofia e Direito. Assim que aconteceu o terremoto teve de retornar à cidade natal e ficou mais de um ano sem estudar. Neste tempo, trabalhou como tradutor para duas grandes organizações de ajuda humanitária dos Estados Unidos. Tendo perdido os pais ainda na infância, foi criado pelos avós maternos. Sempre teve dentro de si o objetivo de ter sucesso na vida. Se dedicava ao estudos de línguas estrangeiras pois acreditava que isso poderia lhe render oportunidades no futuro. E assim aconteceu. Seu interesse pelos estudos e por cultura, de uma forma ampla, o prepararam para adentrar as portas que lhe foram abertas.
Começou a escrever, ainda no Haiti, por volta de 2008, influenciado pelo poeta e pintor haitiano Cliford Jean Baptiste, um grande artista, mas, segundo Johny Hilaire, desconhecido de grande parte dos haitianos devido à falta de apoio financeiro e da inexistência de um mercado editorial em seu país. Trouxe seu caderno de poemas e seus sonhos. "Acreditava que eu iria participar de algum projeto cultural no Brasil. Eu tinha este sentimento", explica. Assim que foram abertas as inscrições para a 4ª edição do Programa Aluno-Artista, inscreveu seu projeto, junto com o amigo Wesner. "Não queríamos despedir da Unicamp sem deixar algo de cultural aqui, como uma marca de nossa presença na Universidade", avaliam.
Wesner (25 anos) desde os tempos do Liceu admirava o colega Johny pelo seu destacado brilhantismo no meio escolar, pela sua habilidade em dominar outros idiomas e pela sua dedicação às artes, em particular a poesia e a música. Após concluir o ensino médio em sua cidade, partiu para a capital para prosseguir seus estudos na Universidade. Foi admitido em duas escolas e cursava dois cursos. Em uma era aluno do curso de Letras e na outra, Direito. Os cursos eram ministrados em cidades relativamente distantes. Passava muitas horas se locomovendo de uma escola para outra e também para a cidade natal para rever seus pais e irmãos.
Quando aconteceu o terremoto, Wesner estava na aula. "Ouvi uma voz, tive um intuição, um sentimento estranho. Esta voz me dizia 'saia daqui agora, Wesner, saia'... ". Ele saiu da sala; logo a terra começou a tremer e os edifícios foram se desmanchando sob o seu olhar atônito. Assim que os tremores cessaram, ele começou a ajudar os colegas da Universidade que ficaram sob os escombros e, iniciou uma longa jornada de volta, a pé, ao bairro onde residia com parentes e, em seguida, encarou outra jornada para chegar a casa de seus pais. Ele caminhou durante um semana por entre escombros e por estradas deterioradas pela tragédia. Sua família reside em um bairro da cidade de Petit Goave conhecido como Les Palmes. Seu pai, professor e pastor protestante, no momento, está sem oportunidades de trabalho e tem se dedicado à lavoura na pequena propriedade da família ; tem tirado da terra o sustento do lar.
Influenciado por Oswald Durant, ele havia começado a escrever havia pouco tempo. Cercado das visões que teve e, das impressões que captou daquele momento, escreveu um poema sobre o terremoto. Um dos motivos que o levou a participar do Programa Aluno-Artista é a importância que sente em falar sobre o Haiti e a cultura do seu país. Sobre o livro que pretende publicar com a co-autoria de Johny Hilaire, ele destaca: "Este livro é um legado do Haiti para a Unicamp". Ao final do curso de Graduação os amigos Johny e Wesner pretendem voltar ao Haiti para ajudar na sua reconstrução. Em tom crítico, eles ressaltam que as organizações internacionais se preocupam muito em mandar exércitos para pacificar o país. "Mas o país já está pacificado", afirma. O que eles consideram importante agora são ações humanitárias e reais que permitam que o Haiti finalmente possa caminhar com suas próprias pernas. "O que eles precisam no momento, é de médicos, de enfermeiros, engenheiros, agrônomos, geólogos, profissionais diversos que possam realmente levantar o país", dizem convictos. Segundo eles, o longo tempo de permanência das forças de paz parecem protelar a reabilitação da nação.
SINOPSE:
O livro de poesia intitulado "Jepye Pyeje" (Fulano Fulano) será publicado com o objetivo de passar para os estudantes da Unicamp e de outras Universidades que a realidade haitiana é mais crioula do que francesa, divulgando, assim, a língua materna do país, de modo que não se percam as raízes da comunicação escrita e falada. Tal Projeto nasceu pela chegada de 41 alunos haitianos à Unicamp pelo Programa Pró-Haiti, em 2011 e a linguagem utilizada pelos proponentes, a poesia, refletirá a cultura linguística, simbólica e artística. Será o primeiro livro de poesia produzido por haitianos, a ser publicado no Brasil, abrindo, assim, a porta cultural entre o Haiti e o Brasil. Dos 41 haitianos que chegaram, atualmente 36 estão na Unicamp.
(Colaborou Magdaelei Costa Amorim)